Tempo frio, acompanhado de uma fina e gélida chuva. Minha mente espelha este clima nebuloso e não sei sobre o que escrever. Fico refletindo por um tempo, olhando para o céu nublado. Não enxergo nada, apenas o infinito cinza. De repente, uma voz: "Escreva sobre mim, Vampiro!"
Eu não consegui acreditar no que minha mente via - sim, eu não possuia olhos. Nem boca. Nem língua. Não sentia mais a saliva escorrer doce e quente por minha garganta. Havia perdido a percepção dos sentidos. Ou melhor, tudo era sentimento. O Mundo todo eram sensações. E minha mente era o Mundo todo. Estarei sonhando? Estarei delirando?
"Você nunca esteve tão lúcido, Vampiro!"
Perplexo, mas estranhamente conformado, olhei para meu interlocutor. Não enxergava-o, mas sabia de quem era aquela voz sedutora.
- Judas Iscariotes? É você, meu irmão!
- Sim, Vampiro! Sou eu, teu irmão, descendente de Caim, como você.
- Quanta honra! Mas não posso escrever sobre você. Nem sei se você realmente existiu...
Judas começou a rir. Trazia em sua fisionomia a dor do mundo, mas, paradoxalmente, exibia uma feição leve. Agradável, até diria. Era um homem livre!
- Mas sei muito pouco sobre sua história entre os homens - desconversei.
- Procure o luar! Você não é um vampiro?
Luar? Como assim? Já não chega o judeu aquele querer falar metaforicamente, com aquelas fábulas idiotas? Pensei que ao menos Judas seria mais objetivo. Neste instante comecei a entender: "luar", lendo-se de trás para frente, significa "raul".
- Óbvio, Raul Seixas! Eu já morri e renasci curtindo Raulzito. Ele sabia sobre você, Judas?
-Eu me comuniquei através de sua música algumas vezes, Vampiro.
Então me veio a canção de Raul. O som não me era percebido pelos ouvidos, mas como se aquela voz penetrasse em todos meus poros. Era clara, transparente, vigorosa aquela voz:
"Parte de um plano secreto
amigo fiel de Jesus
eu fui escolhido por ele
para pregá-lo na cruz
Cristo morreu como um homem
um mártir da salvação
deixando para mim seu amigo
o sinal da traição.
Mas é que lá em cima
lá na beira da piscina,
olhando simples mortais
das alturas fazem escrituras
e não me perguntam se é pouco ou demais
Se eu não tivesse traído
morreria cercado de luz
e o mundo hoje então não teria
a marca sagrada da cruz
e para provar que me amava
pediu outro gesto de amor
pediu que o traísse com um beijo
que minha boca então marcou."
Agora tudo ficava mais claro: o Bem e o Mal, Zaratustra, Caim... Começava a perceber toda a história da Humanidade. Era como se sempre eu tivesse percebido a História como o desenho feito em um maravilhoso tapete, só que visto pelo lado do avesso, sem entender nada. Começava a perceber toda a beleza do Mundo quando um vento frio que congelava meus lábios me despertou -ou me devolveu ao antigo torpor. Preciso escrever sobre algo, pensei.
O Vampiro de Curiitba