(A Ilha dos Mortos - Arnold Boecklin)
Kant nos ensinou que percebemos do mundo apenas o seu fenômeno, enquanto a coisa-em-si, aquilo que é a essência de tudo o que existe, nos é totalmente desconhecida. Vivemos, portanto, num mundo de representações, percebendo da coisa-em-si apenas aquilo que nossos sentidos nos permitem perceber. Quando descobrimos que não temos conhecimento do mundo "real" - o da coisa-em-si - , mas apenas dos fenômenos, passamos a não ter mais certeza alguma sobre nossas vidas, já que nós mesmos somos, também, Coisa-em-si e Fenômeno. Ghost Sonata, de Strindberg, nos mostra de forma radical esse mundo em que nada do que vemos é realmente aquilo que pensamos ver. Realidade e fantasia se misturam o tempo todo. É o Teatro Onírico. A vida aprendida como sonho. O Teatro aprendido como sonho de um sonho. O sonho é a própria vida. Ora a enxergamos como coisa-em-si, ora como fenômeno. Acabamos, assim, não mais diferenciando realidade de sonho.
Schopenhauer, influenciado pela cultura oriental, principalmente pelo Budismo, transforma radicalmente o pensamento Ocidental ao afirmar que sim!, podemos tirar de nossos olhos o Véu de Maya dos fenômenos e ter conhecimento da coisa-em-si Kantiana. Para ele o mundo é Vontade e Representação. Vontade é a coisa-em-si; Representação é o fenômeno. Nós também somos Vontade e Representação: nossos dentes, nosso esôfago e o canal intestinal, por exemplo, nada mais são do que a fome objetivada. E assim em toda a Natureza. Como os budistas, Schopenhauer considerava que o mundo físico em que vivemos é dor e sofrimento, já que satisfeito um prazer outros surgirão infinitamente. Acreditava que a única forma de o homem se libertar do sofrimento na Terra seria negando a Vontade. Strindberg, não por acaso, considerava a Sonata Fantasma como "um drama Budista". Todos os personagens só terão a redenção após serem purificados pela dor e pelo sofrimento. E só a morte os libertará de seus grilhões.
Nietzsche percebeu que Schopenhauer havia vislumbrado nada mais, nada menos do que o funcionamento do Universo inteiro -antes de Schopenhauer, apenas Spinoza havia tido este despertar. E percebeu também que mesmo o brilhante Schopenhauer estava preso em moralismos e valores que o impediam de dar o passo seguinte. Nietzsche deu este passo: o homem deve não negar a Vontade, mas afirmá-la! Nietzsche destruiu assim todo o pensamento Ocidental, o Cristianismo, o Budismo, todas as religiões e o próprio Deus.
Strindberg chegou a trocar cartas com Nietzsche, mas, pelo que parece, também ele estava amarrado ao Cristianismo e ao Budismo a ponto de não perceber o Super-homem que surgia. Entretanto, foi influenciado por Nietzsche na questão de analisar a relação entre pessoas como sendo uma relação de poder. Na Sonata Fantasma isso é evidente: pessoas se tornam escravas umas das outras sem sequer saberem os reais motivos desta escravidão. A relação entre pessoas é de tal forma difícil, agressiva que o próprio Strindberg se torna praticamente um misógeno. Homens e mulheres são verdadeiros inimigos. A familia é a origem de todo mal. Os personagens são presos ao passado, presos em relações interpessoais que os impossibilitam de qualquer vida. A vida, aliás, é própria morte na Terra.
A Sonata dos Fantasmas é isto: vivos convivendo com mortos; realidade convivendo com fantasia. Pouco importa quem são os personagens, importa o que eles representam em relação aos outros. Uns existem somente em função de outros. Não há um protagonista, não há um foco central, não há definição de tempo ou espaço. O que agora é, logo se torna seu oposto. A jovem bela é hoje velha, feia e louca. O bom e honesto homem é na verdade um canalha. A vida é morte. O sonho é a própria vida. O Teatro é o sonho do sonho.
O Vampiro de Curitiba